O Mito de Comer de 3 em 3 horas

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Ontem, em conversa, dizia-me uma filha de uma doente que tinha ganho 7kg durante a quarentena.

Achava estranho que assim tivesse sido porque tinha cumprido o que lhe tinham dito: comido porções pequenas e de 3 em 3 horas.

É difícil encontrar alguém com peso a mais a quem nunca tenha sido dito algo semelhante, que essa é a solução para perder peso, comer menos de cada vez e várias vezes ao dia… Nunca estar mais de 3 horas sem comer porque isso vai “mexer com o metabolismo e dificultar a perda de peso”.

Sendo tão divulgada, deve ter uma base científica muito forte...

Permitam-me então, por favor, que apresente a evidência científica que indica que comer de 3 em 3 horas tem um impacto positivo na perda de peso:


Sim, “toda esta” evidência suporta a recomendação de comer regularmente ao longo do dia para perder peso.

Se não está chocado, devia estar: uma das regras nutricionais mais frequentemente prescritas não tem uma base científica que a suporte!

Mais, como se sentiria se lhe dissesse que seguir esta regra impede a perda saudável e consistente de peso?

É incrivelmente frustrante saber que são dadas indicações que não são eficazes a tanta gente que quer mudar o seu peso, a sua saúde e a sua vida, dificultando ainda mais o percurso!

Quando percebemos que são contra-producentes, é justo surgir uma certa revolta.

Esta é mais uma das demonstrações que a abordagem à obesidade e ao deixar de ser obeso parece virada do avesso!

Tentar gastar mais calorias do que se ingere não funciona, comer pouco e de forma frequente é contra-producente, assume-se que se é obeso por falta de vontade e de motivação, …

Ora, dito isto, há perguntas por responder: porque não deve comer de 3 em 3 horas? Porque é que comer várias vezes ao longo do dia vai dificultar a sua perda de peso?

A resposta está na hormona que é a peça central da obesidade e da perda de peso: a insulina.

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A insulina é a principal hormona que regula o armazenamento e produção de energia.

Funciona como polícia sinaleiro, controlando, coordenando e optimizando o trafego de "energia” no nosso organismo.

Os níveis de açúcar no sangue (glicémia) mantêm-se estáveis pela acção da insulina.

Tê-los controlados é vital para a nossa saúde:

  1. Níveis baixos de glicémia (hipoglicémia) são extremamente perigosos porque significam que não temos matéria prima em circulação para transformar rapidamente em energia, necessária às nossas funções celulares.

  2. Níveis extremamente baixos de glicémia levam a estados de coma e morte. Há razão para o nosso organismo não deixar que isso aconteça!

  3. Por outro lado, níveis elevados (hiperglicémia) também são uma ameaça à nossa saúde, tanto de forma aguda (por mecanismos opostos, pode também causar coma) como principalmente de forma crónica.

Pense-se, por exemplo, nas consequências que a diabetes pode ter no organismo. É o melhor exemplo do impacto que estados de hiperglicémia prolongados podem ter.

“No meio está a virtude”, diz o ditado, que se aplica de forma perfeita a esta situação.

Sem qualquer sombra de dúvida, manter a glicémia estável, sem grandes oscilações, sem estados agudos de hiper ou hipoglicémia, é o estado mais saudável.

É o estado de equilíbrio perfeito para o qual todo o nosso organismo tende: o estado de homeostasia.

O modo como o conseguimos é brilhantemente simples.

  • Perante um pico de glicose, há o aumento da produção e libertação de insulina por parte do pâncreas para a corrente sanguínea.

  • A insulina activa a conversão dessa glicose em glicogénio, algo que ocorre principalmente no fígado e nos músculos.

  • O glicogénio é a reserva local de glicose que pode ser reconvertida novamente quando for necessário.

O processo inverso permite reagir a uma baixa marcada da glicémia:

Quando os níveis de açúcar baixam demasiado, o glicogénio é reconvertido novamente em glicose, que é posta rapidamente em circulação, reequilibrando os níveis de glicémia.

Et voilá! Este sistema é perfeitamente capaz de lidar com oscilações pequenas da quantidade de açúcar que temos em circulação.

Este sistema tem uma falha, no entanto: a capacidade de armazenamento é limitada.

A quantidade de glicose que conseguimos tirar do sangue e armazenar sob a forma de glicogénio é pequena.

O que significa que quando temos picos de glicémia maiores do que conseguimos “limpar”, necessitamos de uma outra resposta, capaz de limpar quantidades ilimitadas de açúcar do sangue.

Nessas circunstâncias, o sinal que a insulina dá ao fígado é ligeiramente diferente:

“Transforma o açúcar em ácidos gordos e manda-os para o armazém, as células de gordura”

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O equilíbrio dos níveis de açúcar no sangue (glicémia) é fundamental para a nossa saúde a curto, médio e longo prazo.

Após a absorção de glicose, é libertada insulina com o objectivo de activar a remoção desse açúcar da circulação sanguínea.

Inicialmente, a glicose é convertida em glicogénio no fígado e nos músculos, onde fica armazenado, pronto para ser reconvertido novamente em glicose. Funciona como um sistema tampão.

Contudo, a capacidade que temos de armazenar glicose sob a formada glicogénio é limitada.

Pense assim: Onde estão as suas poupanças? Na sua carteira? Presumo que não…

Imagino que tenha acesso fácil e imediato ao dinheiro que precisa para o seu dia-a-dia, tendo as suas poupanças num local de acesso mais limitado.

Faz todo o sentido que assim seja!

É mais prático e conveniente ter consigo o que espera e conta precisar, tendo as suas reservas guardadas para quando for necessário.

Aliás, não teria capacidade de carregar as suas poupanças na sua carteira, mesmo que quisesse.

O nosso organismo está organizado e programado de maneira muito semelhante: mantemos primariamente as reservas de glicogénio nos músculos e no fígado, prontas a ser mobilizadas e usadas se precisarmos de injectar glicose na circulação de forma diária.

Como essa quantidade potencialmente necessária é pequena, não precisamos de ter muito glicogénio guardado.

Logo, quando a absorção de açúcar supera a capacidade de conversão em glicogénio, activamos um segundo mecanismo capaz de levar a cabo essa tarefa: a transformação de glicose em ácidos gordos.

Quando há excesso de glicose em circulação, a insulina estimula o fígado a convertê-la em triglicerídeos, uma espécie de envelope usado para a transportar até ao destino final de armazenamento: o tecido adiposo.

Chegados ao destino, os triglicerídeos são então convertidos em ácidos gordos livres, moléculas de gordura preparadas para ficarem guardadas por quanto tempo for necessário.

É o armazém perfeito: não impõe qualquer limite de espaço ou de tempo. Quando as suas células ficam cheias, cria mais e mais.

Contudo, os ácidos gordos podem fazer o caminho inverso!

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A gordura não está condenada a ficar nas células de gordura!

Podem voltar a ser convertidos em triglicerídeos, recambiados de volta para o fígado para serem transformados em glicose e usados da melhor forma.

Isso só acontece se o estímulo para limpar o açúcar do sangue e armazená-lo como gordura deixa de existir...

Dito por outras palavras, só conseguimos reduzir a quantidade de ácidos gordos na células da gordura quando os níveis de insulina em circulação baixam!

É esta a razão desta hormona ser a peça fundamental para deixar de ser obeso!!!

Quando

  • A insulina está alta, é dada ordem para acumular mais gordura, aumentando o peso

  • A insulina baixa, é permitida a saída dessas moléculas do armazenamento para que sejam queimadas e usadas para energia, reduzindo o peso

A única maneira lógica do ponto de vista biológico, fisiológico e bioquímico é diminuir a mensagem que está em circulação a mandar acumular gordura!

Como é possível fazê-lo? A resposta é tão simples: Baixamos os níveis de insulina quando diminuímos a sua libertação!

É tão tão “elementar, meu caro Watson”!!!

Quanto menor for o estímulo, quanto menor for a sua magnitude, menor a quantidade e menos vezes será a insulina libertada para a circulação.

Assim consegue-se diminuir a ordem para a produção de triglicerídeos o armazenamento de gordura.

E o que aumenta a insulina? Comer!!!

Qualquer alimento ingerido estimula a secreção de insulina. Mas há diferenças gritantes no seu índice insulinogénico (a capacidade de estimular a sua secreção; quanto menor for o índice, menos insulina vai ser produzida), sendo que os hidratos de carbono são dos alimentos que mais o fazem.

(Para ser cientificamente correcto, tenho de referir que não são os hidratos de carbono como um todo que têm o índice insulinogénico mais elevado porque as fibras incluem-se tecnicamente neste grupo e não têm esse efeito. Quanto maior for o teor de fibra de um alimento, menor será o impacto dos hidratos de carbono nele contidos.)

Então,

  1. Se reduzir a insulina reduz a acumulação de gordura e abre a porta para que a gordura seja libertada pelas células de gordura para ser usada na produção de energia;

  2. Se a insulina é reduzida quando diminuímos os estímulos para a sua produção;

  3. Se comer é o principal estímulo para que a insulina seja posta em circulação;

  4. Se quanto mais vezes comermos, mais estímulos desses produzimos,

Como é possível que se defenda que, para perder peso, se deve comer de 3 em 3 horas!??!?!

Não é fácil de perceber que fazê-lo é impedir a perda de peso?

 
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